Como vemos em textos, artigos indicados para leitura, além de vídeo e conferências sobre hermenêutica, está muito claro a importância da mesma para a prática teológica pastoral e de pesquisa em geral. É através da hermenêutica que podemos ver através de “outros olhos” ou seja com outras lentes que nos propiciam ângulos diversos para observação mais apurada e com atenção diferenciada dos que não as utilizam.
A partir desta premissa temos o tema deste trabalho que é: refletir sobre a importância da Hermenêutica para o estudo do texto bíblico a partir de conceitos apresentados nas unidades e nos artigos indicados para leitura.
Pede-se que se responda às questões abaixo:
1. Em suas palavras, explique o que Stanley Fish quer dizer ao utilizar o conceito “comunidades interpretativas”.
Comunidades interpretativas segundo Stanley Fish argumenta em seu artigo “Como reconhecer um poema ao vê-lo”, significa dizer que não há uma “liberdade” de interpretação a partir do momento que fazemos parte de uma “comunidade” que nos faz pensar como pensamos, em outras palavras poderíamos dizer que fatores culturais e a “tribo” a qual pertencemos nos mostra o como pensamos e como somos encaminhados a interpretar e entender um significado, nas palavras de Fish
… os significados não são propriedades nem de textos fixos e estáveis nem de leitores livres e independentes, mas de comunidades interpretativas que são responsáveis tanto pela forma das atividades do leitor quanto pelos textos que estas atividades produzem. (1993, p.156)
Como se pode perceber, além de sermos encaminhados a uma interpretação, caminhamos juntos na construção de “novas estradas” para novos caminhos. Como astrônomo amador e amante do conhecimento, gosto de pensar o cosmos tanto no sentido astronômico como filosófico em sua origem e desenvolvimento. Bem, nesse sentido vou dar um exemplo quanto a este conceito apresentado acima. Imagine que você queira saber como é a Terra mas nunca pôde vê-la do alto, você está limitado a entende-la e interpreta-la pelo que te é passado e ensinado a partir da sua cultura e dos ensinamentos que foram obtidos em sua vida e em seu tempo, sua época neste planeta, além é claro de suas buscas pessoais pelo conhecimento.
Somos o que somos e pensamos como pensamos, muitas vezes pensando ser o dono de nosso pensamento, mas na verdade somos e pensamos como a nossa “comunidade” faz que pensemos. Posso dar aqui um outro exemplo lembrando a “Alegoria da Caverna de Platão”, as pessoas que ali se encontravam acorrentadas pensavam uma “realidade” e tinham uma interpretação desta “verdade” através das sombras que lhe eram projetadas, para eles essa era a sua “comunidade”. Posso ainda endossar com as palavras de Stanley Fish “… A interpretação não é a arte de entender (construing), mas sim a arte de construir (constructing). Os intérpretes não decodificam poemas: eles os fazem.” (1993, p.159)
Todo este conjunto cultural e social nos influencia e nós também o influenciamos, há uma troca, e convencionamos e nos “conformamos” com a fôrma e forma como “o bolo” é moldado. Ainda segundo Fish
Estar em uma situação (esta ou qualquer outra) significa “ver” com os olhos dos interesses, objetivos, valores, normas e práticas estabelecidas desta situação, e significa, portanto, conferir significação ao ver e não depois de ver. (1993, p.163)
Da maneira como estou desenvolvendo o entendimento deste conceito apresentado por Stanley, posso destacar também este trecho em que este autor apresenta algo de Sacks, como Fish lembra.
E isto que Sacks quer dizer quando afirma que, cultura preenche cérebros “de modo que se tornem idênticos até os mínimos detalhes”; ela os preenche de modo que os atos interpretativos de qualquer pessoa jamais sejam exclusivamente seus, mas caibam a esta pessoa em virtude da posição que ela ocupa em determinado meio socialmente organizado, e sejam, portanto, compartilhados e públicos. (1993, p.164)
Como considerações finais às nossas reflexões quanto ao conceito de Comunidades Interpretativas, precisamos dizer em primeiro lugar que este artigo de Fish pode dar origem a novos artigos e que esta resposta não seria tão simples como pretendemos dá-la. Ademais podemos complementar dizendo que a Cultura ou Comunidade em que estejamos inseridos além de moldar nosso entendimento interpretativo é retroalimentada em uma espiral contínua e que pode ser quase que infinita.
Desta maneira nos permita ampliar esta análise, ainda que de maneira bem superficial, queremos dizer que é muito importante a troca e a riqueza da diversidade cultural pois só desta maneira poderemos ampliar nosso entendimento e abrir a nossa mente e visão através de “novas lentes” e então novos horizontes podem surgir. Assim, é necessário “sairmos” da Terra para poder vê-la por completo.
2. Como relacionar os fatos históricos à narração documental “oficial” sobre esses fatos? Qual a relação entre a história “oficial” e as narrativas orais? Como analisar essa relação no filme Narradores de Javé?
Bem, estes questionamentos apresentados são muito amplos, no entanto vamos tentar sintetizá-los em uma resposta em um único texto.
Para relacionar fatos históricos à narração documental que seja “oficial” é necessário em primeiro lugar tentar entendermos quem foram “os vencedores”, pois como se sabe a história é contada pelos vencedores, pois os “derrotados” não ficaram para contar a história. Em outras palavras quero dizer que precisaríamos encontrar “documentos escondidos” que poderiam nos mostrar fatos da história que de fato ocorreram como se pensa saber e que possam corroborar com as diversas narrativas apresentadas.
Exemplo como este quanto a “documentos escondidos” podemos lembrar dos “achados manuscritos de Qumran” – cavernas no Mar Morto, o que pôde comprovar escritos e narrativas passadas de geração em geração através da oralidade e outros escritos e que estes documentos bem antigos corroboraram.
A partir destas premissas e assistindo ao filme Narradores de Javé, a propósito muitíssimo interessante (recomendo assistir, link está em bibliografia), e que nos abre ainda mais a mente e nos dão “novas lentes” para o entendimento mostrando-nos em uma estória ou história como a mesma pode ser construída através das diversas narrativas apresentadas pelos moradores da “cidade de Javé”, como no exemplo.
Percebemos no filme que cada um pretende narrar a história através do seu olhar, não só por sua percepção, mas também “puxando a brasa para a sua sardinha” ou seja querendo levar certa vantagem na história e se apresentar mais importante do que o outro, além desse fato, como diz outro ditado “quem conta um conto aumenta um ponto” o que é outro problema apresentado no filme.
Mas é claro que não se vê só “problemas” apresentados no filme, muito pelo contrário o mesmo nos mostra o quão importante são as narrativas e quanto rica é a cultura de um povo que, em princípio, não sabia de sua importância. Assim através das diversas culturas e dos diversos povos, inclusive de origem africana que pensavam ainda estar em alguma parte da África, foram “anotadas” as diversas narrativas … cada um em sua caverna.
Na verdade, não foram anotadas as diversas narrativas, não foram anotadas nem mesmo uma narrativa, o “livro” se manteve em branco! E esse no meu modo de pensar é o pior que poderia ocorrer: não existir nenhuma narrativa documentada. A história poderá se perder se a oralidade e seus sucessores “se perderem” acredito que pior do que ter diversas narrativas é não ter nenhuma narrativa registrada.
Concluo respondendo à questão que segue…
3. À luz do que foi estudado, como você avalia a importância da Hermenêutica no estudo do texto bíblico?
Como expus acima, acredito que é melhor termos diversas narrativas do que termos uma ausência de narrativas documentadas. Os documentos podem ser investigados, considerados em uma análise interpretativa cultural e de linguagem, através da tentativa de se enxergar com outros olhos e outras lentes o que pretendia ser narrado para quem ou por quem, e quais eram as condições sociais, políticas e culturais. Como disse, para a partir dessas lentes estudarmos e tentarmos decifrar os “significados” na conjuntura, na complexidade de um certo povo, escritor, leitor e isso lembrando que também o tempo nunca é o mesmo, em poucos anos observamos imensas transformações culturais, imaginemos em séculos e até milênios.
Portanto sem dúvida a hermenêutica é de fundamental importância para colaborar com o entendimento do estudo do texto bíblico como também em qualquer outro texto. Concluo transcrevendo um trecho do dicionário básico de filosofia de Japiassu e Marcondes, quanto a hermenêutica:
- Termo originalmente teológico, designando a metodologia própria à interpretação da Bíblia: *Interpretação ou exegese dos textos antigos, especialmente dos textos bíblicos.
- O termo passou depois a designar todo esforço de interpretação científica de um texto difícil que exige uma explicação. No séc. XIX, Dilthey vinculou o termo “hermenêutica” à sua filosofia da “compreensão vital”: as formas da cultura, no curso da história devem ser apreendidas através da experiência íntima de um sujeito; cada produção espiritual é somente o reflexo de uma cosmo visão (Weltanschauung) e toda filosofia é uma “filosofia de vida”. (2006 p.130)
Bibliografia e Referências Bibliográficas
FISH, Stanley. Como reconhecer um poema ao vê-lo. In: Revista Palavra, número 1. Rio de Janeiro: Departamento de Letras da PUC-Rio, 1993. p.156-165.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
NARRADORES DE JAVÉ. YouTube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Trm-CyihYs8&t=999s / acesso em 25/09/2023.
PEPE, Benito. A Alegoria da Caverna de Platão – Livro VII da República disponível em https://www.benitopepe.com.br/2009/03/31/a-alegoria-da-caverna-de-platao-%E2%80%93-livro-vii-da-republica/ Acesso em 26/09/2023
SIMÕES, Márcio. Mitopoeia Cotidiana. O Engano do Progresso, Tradições Orais e os Narradores de Javé, disponível em https://youtu.be/JsY4GrXFKME / Acesso em 25/09/2023