Busto de Aristóteles. A Física e a Astronomia de Aristóteles.

A Física e a Astronomia de Aristóteles

Continuando o que vínhamos falando no capítulo anterior, trataremos agora sucintamente da  physis ou “física” de Aristóteles. Como estamos evidenciando, o estudo da Physis não é levantado só na origem da filosofia no mundo grego, mas é retomado em vários períodos da filosofia e da ciência: desde os pré-socráticos; depois volta no  período clássico, momento que abordaremos neste capítulo; em seguida o estudo da physis renasce na modernidade, trataremos desse período no próximo capítulo; e por fim ressurge na contemporaneidade com a física quântica, falaremos da atualidade nos capítulos finais. Vamos então à Física e a Astronomia de Aristóteles.

Como estamos afirmando, a Física sempre esteve presente na história da humanidade. Falamos aqui do período clássico especificamente em Aristóteles,  concluiremos este capítulo com a Astronomia de Aristóteles.

Aristóteles divide o “conhecimento” ou as ciências em três ramos: as “ciências teoréticas” (que buscam o saber em si mesmo) consistem na metafísica, na física,  e na matemática; as “ciências práticas” (buscam o saber para, através dele, alcançar a perfeição moral)  incluem a ética e a política; e as “ciências poiéticas” (são as que tendem a produção de determinada coisa). Aristóteles considerava  a “teologia” como filosofia primeira o que veio a ser classificado posteriormente como “metafísica”, termo que Aristóteles nunca usou. Talvez essa palavra tenha surgido quando foram organizadas as obras deste filósofo por Andrônico de Rodes no século I a.C. As obras que não se enquadravam nos seguimentos anteriores e que ficaram depois da física teriam sido chamadas metafísica (meta = depois, além; physis = física). Aquilo que está além da física nos dá “coincidentemente” um amplo sentido.

Mencionamos essa divisão das obras de Aristóteles para esclarecer a distinção que a filosofia primeira, a “teologia” vem a ter em todo o corpus aristotélico, sabemos portanto que as outras, muitas vezes estarão em função desta. Nossa ênfase aloca-se na Física e na Astronomia de Aristóteles, quanto à física o estagirita a considerava a filosofia segunda, mas isso não menospreza essa ciência muito pelo contrário ele a considerava muito importante,  Abbagnano nos lembra deste ponto quando fala dos fundamentos do Aristotelismo dizendo da:

Importância atribuída por Aristóteles à natureza e o valor e a dignidade das indagações a ela dirigidas. Enquanto Platão pensava que tais indagações só poderiam atingir um grau de probabilidade muito inferior ao conhecimento científico (Tim., 29 c) Aristóteles considerava que nada há na natureza tão insignificante que não valha a pena ser estudado, visto que, em todos os casos, o verdadeiro objeto da pesquisa é a substância das coisas. (2007, p.90)

Quanto à física Abbagnano lembra que

(…) pode-se dizer que nasceu com Aristóteles, que a considerava “a filosofia segunda” e, no grupo das ciências teóricas, distingui-a da teologia e da matemática (Met.,XI, 7, 1064 b 1) (2007, p.536)

Portanto a física de Aristóteles é bem diferente da maneira como foi vista pelos seus predecessores tanto quanto pela forma como  será vista posteriormente e mesmo em nossos dias, e não poderia estar tão distante da “metafísica”, conforme lembra Reale.

Para Aristóteles, porém a física é a ciência das formas e das essências; comparada com a física moderna, a de Aristóteles, mais que ciência, revela-se uma ontologia ou metafísica do sensível. (2004, p.207)

A  Física de Aristóteles

Para se falar da física e da astronomia de Aristóteles é preciso relembrar os pré-socráticos, pois é neles que estão os embriões de um estudo sobre a physis, todavia bem diferente dos estudos aristotélicos.  De qualquer maneira é o estagirita quem retoma de uma forma “substancial” a física, e por isso passa a ser reconhecido por muitos  no mundo ocidental como o pai dessa “ciência”.

Relembramos que os estudos dos pré-socráticos estavam mais focados no campo dos elementos primordiais, na natureza e nas origens das coisas, na arché. Por exemplo, podemos relembrar aquele que é considerado pelo próprio  Aristóteles como o primeiro filósofo, Tales de Mileto(5), este teria iniciado um “princípio físico”: “Tudo é Água”. Outros “pensadores” completaram quatro elementos além da “Água”, ou seja: “Terra”, “Ar” e “Fogo”. No caso de Aristóteles tem-se como base não essas questões, mas o Movimento, e não somente o movimento de translação, no entanto um movimento que seria melhor chamá-lo “mutação” pois envolve mais claramente o sentido que este “filósofo-cientista” queria postular. Como nos lembra Cherman, Aristóteles fala no início do livro III da Física:

“A natureza é um princípio de movimento e de mudança e é objetivo de nossas indagações. Devemos portanto estar certos de que entendemos o que é o movimento, pois, se não sabemos isso, também não sabemos o que é a natureza.” (2004, p.22)

Dessa maneira fica claro que, para Aristóteles, a física era pautada no movimento e no estudo de suas causas. Todo estudo que nao tivesse como base o movimento não seria Física, poderia ser Filosofia, mas não física. Segundo Aristóteles:

… considere-se estabelecido que as coisas que são por natureza, ou todas elas ou algumas, são suscetíveis de movimento: isso é evidente pela indução. Ao mesmo tempo, tampouco é conveniente refutar tudo, mas apenas aquilo que alguém afirma falsamente tentando prová-lo pelos princípios, ao passo que tudo que não for assim não convém refutar (por exemplo, compete ao geômetra refutar a quadratura do círculo pelas secções, mas não compete ao geômetra refutar  a quadratura de Antifonte); não obstante, uma vez que, embora não falem sobre a natureza, lhes sucede dizer dificuldades atinentes à natureza, certamente cai bem discutir um pouco a respeito dessas coisas, pois tal exame comporta filosofia. (185ª12)

No entanto na antiguidade, se entendia como física tudo o que se relacionava com a natureza, assim, além da física propriamente, tínhamos a química, a biologia, a geologia, e outros estudos que dizem respeito à natureza como é o caso da Astronomia. Lembramos que para Aristóteles a matéria é “qualificada” e os quatro elementos são a matéria em sua mais simples qualificação. Os quatro elementos primordiais (água, ar, terra e fogo) constituiriam, segundo relações complexas, a matéria de tudo o que existe, e variando em suas qualidades passa-se de uma substância a outra. Dessa maneira Aristóteles pensava poder explicar as transformações que ocorrem na natureza.

Distinguindo-se dos Eleatas, que pregavam o não movimento (não mobilismo), o estagirita os refuta resolvendo essa questão. Parmênides dizia que o movimento seria uma passagem do ser ao não-ser e por isso seria impossível. De maneira diversa Aristóteles entende o “movimento” como a passagem de uma forma de ser para outra forma de ser, ou seja do “ser em potência” para o “ser em ato”. O ser tem muitos significados. O “não-ser” quando em  potência real  é capacidade e possibilidade efetiva de chegar ao ato. Entendendo-se o movimento como a passagem da potência ao ato, têm-se várias formas de mutação, considerando especialmente algumas categorias, conforme resume Reale:

1) da substância; a mutação segundo a substância é “a geração e a corrupção” ;
2) da qualidade; a mutação segundo a qualidade é “a alteração”;
3) da quantidade;  a mutação segundo a quantidade é “o aumento e a diminuição”;
4) do lugar; a mutação segundo o lugar é “a translação” (2004, p.207).

Quando referimo-nos ao termo “mutação” abrangemos as diversas “modificações” da “substância”, contudo pretendemos  especificamente falar sobre a questão da “translação”, que é mais pertinente à astronomia aristotélica que queremos mencionar. A translação se refere ao movimento no sentido literal, ou seja, a passagem de um “objeto” de um “ponto” para  “outro”.  Veremos isso mais à frente.

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(5) Reveja a nota 2, publicada em tópicos anteriores

No próximo tópico: A Astronomia de Aristóteles e Considerações…

Abraços do Benito Pepe

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[…] A Física e a Astronomia de Aristóteles […]

Jose Maria Dias
12 anos atrás

Muito bem meu amigo, neste capítulo, vamos começar dizendo, aliás dizendo não; afirmando categoricamente que vivemos num universo infinito de coisas, e que para um mundo de determinadas coisas, existiu mesmo em tempos muito remotos, e logicamente até hoje, existem, e, sempre existirá, pessoas que buscam o significado das coisas; através de estudos, pensamentos, teorias, e porque não dizer imaginação. Para cada conjunto de coisas, uma filosofia dentro daquilo que o individuo entende à concepção de determinado objetos. Dentro da própria Natureza, que para mim, é a criadora deste infinito maravilhoso e deslumbrante de seres animados e inanimados, vamos encontrar, os pensadores, os cientistas, filosóficos, as ciências da matemática, biologia,astronomia,medicina e muitos outros estudos vindos desde os tempos remotos. Aristóteles que se dedicava aos estudos dos seres vivos e de tudo que a natureza contém não desprezava as coisas que se apresenta aos sentidos, mais do que isso, procurava integrar a percepção do mundo sensível ao conhecimento cientifico e filosófico. Quanto ao “phisis metafísica”, Platão via as formas “eidos” que para ele significava (“idéias”) elas não estavam separadas das coisas do mundo sensível. Ao contrario, são exatamente elas que lhes dão existência efetiva, fazendo com que as matérias, que por si só é indiferente, seja esta ou aquela coisa, ou seja, a forma é inerente ou imanente às coisas Bom meu amigo, diz um dito popular “ para cada cabeça uma sentença”, em outras palavras, para cada pensamento uma filosofia, e os filósofos como coisas humanas, jamais poderiam ser diferentes, e a evolução dos séculos tem nos mostrado exatamente como isto ocorre, principalmente nos dias de hoje. Na época dos pré-Socraticos e muitos outros renomados filósofos, cientistas pensadores e matemáticos, jamais poderiam imaginar mesmo num futuro imaginário, um executivo desfilando nos shopings tendo em suas mãos um pequenino aparelho digital falando com o mundo inteiro. Tudo bem, que eles viam às coisas de acordo com os tempos em que existiram, e nós a vemos de acordo com o nosso dia a dia, agora eu te pergunto! O que teremos em nossas mãos daqui a vinte ou trinta anos? Bom, fica à pergunta para a Filosofia digital responder para quem existir naquela época. Bom meu amigo, é esta a minha reflexão sem fontes. Um abraço do seu amigo J.M.Dias

12 anos atrás

Olá querido JM Dias, será que o Universo é Infinito ou Finito? Se o Universo for finito, as “coisas” ou “objetos celestes” precisarão necessariamente ser finitos; agora, se de fato for um cosmos infinito, as “coisas” podem ser infinitas. (essa é só para uma reflexão à parte).

Quanto a Platão é bom lembrarmos que, para ele, o mundo dos sentidos (o nosso “mundo aqui debaixo”) é apenas uma cópia do “mundo das ideias”, o verdadeiro e real para Platão estava lá no “mundo de cima”…. ou seja as coisas daqui são cópias de lá, e muito imperfeitas por sinal…

Com relação a tecnologia, você usou o telefone, bem, eu prefiro fazer uma outra reflexão: como seria a reação de um povo antigo que pudesse ver uma fotografia do Planeta visto de fora dele, como nós podemos fazer hoje, ver uma bela Terra azul? Confirmar que ela é redonda, voar ao redor dela, ir à Lua, ter uma estação espacial em órbita da terra, ter um telescópio espacial, etc. que tal Aristóteles? Agora, se considerarmos que somos nós os Aristotélicos e esperarmos mais 2.500 anos, lá para o ano de 4.512 e aí o que poderemos ter e ver? Se é que ainda estejamos aqui..

Abraços, Benito Pepe

Fabio Mesquita
7 anos atrás

Muito bom o artigo

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